"Lágrimas como DNA
O povo que chora
Larissa recebe a substituta da parceira machucada, e chora. Eduardo Santos, o judoca, perde a luta num resultado polêmico, e chora. Cesar Cielo (olha o nosso campeão aí ao lado) tira da cartola um desempenho de bronze, conquista o primeiro ouro da natação brasileira, e chora. Ana Paula sente saudade do filho que ficou em casa, e chora. Jade Barbosa cai da trave, depois alcança um resultado inédito para ginástica brasileira - e chora. E, pela TV, os brasileiros todos choramos de emoção, nesses dias olímpicos. Porque somos assim - as lágrimas são o nosso melhor DNA.
Os Jogos despertam o que há de melhor na turma do Brasil. Festa é com a gente mesmo. Quando ganhamos, festejamos; se perdemos, paciência - é do jogo. João Derly, o judoca favorito derrotado pelo português vingativo, foi saudado na volta a Porto Alegre (e chorou). Se o vôlei masculino confirmar o vaticínio dos pessimistas e não conseguir o bi, tudo bem. Terá valido a pena, porque nos pavimentou a emoção.
Por ela, o país do futebol vira do vôlei, da natação, do atletismo, da ginástica, do judô - do hipismo, da canoagem, da esgrima! Pelas ruas do Brasil, quem não pode cruzar a madrugada em frente à TV, pergunta, se interessa, pede detalhes da última prova, daquele resultado que foi quase, do que vai ter hoje à noite... Se a cada Copa do Mundo, professamos o ardor religioso que o futebol semeia - e o mundo quase acaba quando o Brasil perde -, nas Olimpíadas adotamos a esperança de uma medalhinha ou outra.
Porque, afora os equivocados que padecem do complexo de vira-latas, e passam a vida a choramingar como se aqui fosse o pior lugar do mundo, os brasileiros sabemos das dificuldades de ser atleta olímpico numa terra de monocultura esportiva - e, num lamento pertinente, com os terríveis cartolas que nos atormentam. Assim, com medalha ou não, sempre vale a pena torcer por um brazuca que rala em Pequim.
Quem definiu melhor (como sempre) foi Elio Gaspari, mestre maior dos jornalistas brasileiros, num artigo de 2004, chamado "A linda galera do Brasil", sobre a ida da seleção ao Haiti. Vale a pena ler de novo:
"Linda galera a brasileira. Comeu o seu primeiro bispo, mas o pior momento da vida nacional não se deu num campo de batalha. Aconteceu no dia 16 de julho de 1950, quando Gighia pegou a bola pela direita e fez 2x1 para o Uruguai. Bastava o empate. Foi como Pearl Harbour, ou a queda de Paris na memória nacional. Os triunfos brasileiros não têm soldados espetando a bandeira na casa dos outros. Eles estão representados em Bellini, Carlos Alberto ou Cafu, erguendo uma taça. É verdade que a primeira Jules Rimet, guardada na CBF, foi roubada e derretida. Isso não fala mal do Brasil, apenas mostra que coisas incríveis acontecem por aqui. Afinal, comeu-se o bispo.
Há países onde as figuras históricas mais lembradas são um general (Bonaparte), um presidente (Washington) ou um tirano (Mao). Pindorama tem Pelé. São 180 milhões de pessoas incapazes de pensar que exista um Brasil sem ele.
(...)
O que o Brasil tem de melhor são as suas coisas do outro mundo. As fitas do Bonfim, as baianas da Mangueira, um garoto qualquer correndo atrás de uma bola na rua, um flanelinha oferecendo-se para guardar o carro, um motoqueiro. São eles que vão ao Haiti carregando a alma de um grande povo que sabe jogar futebol. (Alguém acha que se a Alemanha tivesse ganho a Copa sua seleção estaria convidada para jogar em Port au Prince?)"
Na verdade, a piada ancestral, de que aqui é a terra onde traficante se vicia e prostituta se apaixona (há versões mais contemporâneas, mas deixa quieto), guarda um lado encantador: os brasileiros nos apegamos. Acolhemos. Preferimos sorrir a brigar, comemorar a praguejar, confortar a acusar. Há quem diga que nos falta indignação - especialmente em áreas não esportivas -, mas é o nosso jeito. Defeitos, temos vários. Mas esse é um predicado insuperável."
O povo que chora
Larissa recebe a substituta da parceira machucada, e chora. Eduardo Santos, o judoca, perde a luta num resultado polêmico, e chora. Cesar Cielo (olha o nosso campeão aí ao lado) tira da cartola um desempenho de bronze, conquista o primeiro ouro da natação brasileira, e chora. Ana Paula sente saudade do filho que ficou em casa, e chora. Jade Barbosa cai da trave, depois alcança um resultado inédito para ginástica brasileira - e chora. E, pela TV, os brasileiros todos choramos de emoção, nesses dias olímpicos. Porque somos assim - as lágrimas são o nosso melhor DNA.
Os Jogos despertam o que há de melhor na turma do Brasil. Festa é com a gente mesmo. Quando ganhamos, festejamos; se perdemos, paciência - é do jogo. João Derly, o judoca favorito derrotado pelo português vingativo, foi saudado na volta a Porto Alegre (e chorou). Se o vôlei masculino confirmar o vaticínio dos pessimistas e não conseguir o bi, tudo bem. Terá valido a pena, porque nos pavimentou a emoção.
Por ela, o país do futebol vira do vôlei, da natação, do atletismo, da ginástica, do judô - do hipismo, da canoagem, da esgrima! Pelas ruas do Brasil, quem não pode cruzar a madrugada em frente à TV, pergunta, se interessa, pede detalhes da última prova, daquele resultado que foi quase, do que vai ter hoje à noite... Se a cada Copa do Mundo, professamos o ardor religioso que o futebol semeia - e o mundo quase acaba quando o Brasil perde -, nas Olimpíadas adotamos a esperança de uma medalhinha ou outra.
Porque, afora os equivocados que padecem do complexo de vira-latas, e passam a vida a choramingar como se aqui fosse o pior lugar do mundo, os brasileiros sabemos das dificuldades de ser atleta olímpico numa terra de monocultura esportiva - e, num lamento pertinente, com os terríveis cartolas que nos atormentam. Assim, com medalha ou não, sempre vale a pena torcer por um brazuca que rala em Pequim.
Quem definiu melhor (como sempre) foi Elio Gaspari, mestre maior dos jornalistas brasileiros, num artigo de 2004, chamado "A linda galera do Brasil", sobre a ida da seleção ao Haiti. Vale a pena ler de novo:
"Linda galera a brasileira. Comeu o seu primeiro bispo, mas o pior momento da vida nacional não se deu num campo de batalha. Aconteceu no dia 16 de julho de 1950, quando Gighia pegou a bola pela direita e fez 2x1 para o Uruguai. Bastava o empate. Foi como Pearl Harbour, ou a queda de Paris na memória nacional. Os triunfos brasileiros não têm soldados espetando a bandeira na casa dos outros. Eles estão representados em Bellini, Carlos Alberto ou Cafu, erguendo uma taça. É verdade que a primeira Jules Rimet, guardada na CBF, foi roubada e derretida. Isso não fala mal do Brasil, apenas mostra que coisas incríveis acontecem por aqui. Afinal, comeu-se o bispo.
Há países onde as figuras históricas mais lembradas são um general (Bonaparte), um presidente (Washington) ou um tirano (Mao). Pindorama tem Pelé. São 180 milhões de pessoas incapazes de pensar que exista um Brasil sem ele.
(...)
O que o Brasil tem de melhor são as suas coisas do outro mundo. As fitas do Bonfim, as baianas da Mangueira, um garoto qualquer correndo atrás de uma bola na rua, um flanelinha oferecendo-se para guardar o carro, um motoqueiro. São eles que vão ao Haiti carregando a alma de um grande povo que sabe jogar futebol. (Alguém acha que se a Alemanha tivesse ganho a Copa sua seleção estaria convidada para jogar em Port au Prince?)"
Na verdade, a piada ancestral, de que aqui é a terra onde traficante se vicia e prostituta se apaixona (há versões mais contemporâneas, mas deixa quieto), guarda um lado encantador: os brasileiros nos apegamos. Acolhemos. Preferimos sorrir a brigar, comemorar a praguejar, confortar a acusar. Há quem diga que nos falta indignação - especialmente em áreas não esportivas -, mas é o nosso jeito. Defeitos, temos vários. Mas esse é um predicado insuperável."
Valeu, Aydano!
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